PABLO PICASSO: Guernica - 3,49 x 7,76 m
Casa del Buen Retiro, Madri
A capital basca de Guernica foi bombardeada brutalmente
pelos aliados alemães de Franco. Esse trabalho é a imagem
da desumanidade do homem contra seus iguais. Picasso precisou
sentir o que fazia para se exprimir com tanta veracidade.
Todo artista é, impreterivelmente, um formador de opinião. Isso pode ocorrer de forma intencional, como da maneira mais involuntária possível.
Cada obra carrega consigo uma mensagem que ultrapassa o objeto em si. Seja por protesto, por homenagem, puro saudosismo ou por apenas uma fração interior do artista que foi revelada, a obra sempre diz muito mais do que mostra. Ela é uma visão no sentido mais amplo da palavra.
A obra é uma visão interior porque primeiro ela passa pelo filtro da memória de quem a executou. A bagagem cultural assimilada pelo artista até a data de sua execução é que determina quanto de sua visão interior está inserida na visão do mundo que o cerca.
A obra é também uma visão compartilhada porque quem a observa, também entenderá dela, aquilo que sua bagagem cultural permite entender. Leonardo Boff, no excelente livro “A águia e a galinha”, diz sobre isso de uma maneira até poética: “Todo ponto de vista é a vista de um ponto”. É impossível entender e sentir com os sentidos dos outros. Cada pessoa tem a sua visão e a interpreta da maneira que lhe é possível.
SALVADOR DALI - A Apoteose de Homero
Homero foi um grande escritor da antiguidade grega. Era
cego, mas fazia com que todos enxergassem um novo mundo
através do que pensava e dizia. É impossível entender essa
obra de Dali sem conhecer um pouco de Homero.
Além da bagagem cultural para análise de uma obra, há ainda o estado emocional, tanto de quem a fez quanto de quem a observa. Tristeza, raiva, opressão, medo... Todos os sentimentos podem ajudar ou atrapalhar a execução e o entendimento de uma obra. É que, como falou Drumond: “A gente põe nas coisas as cores que tem por dentro”.
CARLOS DRUMOND DE ANDRADE: "A gente põe nas coisas,
as cores que tem por dentro"
Uma “Guernica”, de Pablo Picasso, certamente não teria a força impactante que tem se tivesse sido concebida em outra época. A questão social que tanto tocou o artista, ganhou força e se tornou um protesto perfeito para o momento em que a obra foi executada.
Assim sendo, julgar e analisar uma obra, sem se inteirar de toda a situação social da época em que foi feita, bem como a inclusão do artista no contesto social de quando a executou é, no mínimo, injusto. Ser crítico de uma obra ou estilo, sem a visão holística que eles precisam, faz do crítico, vítima daquilo que ele mais contesta: um simples ponto de vista.
Quem é “o” crítico de arte? Poderíamos dizer que é uma pessoa que interpreta e socializa uma obra para outras pessoas. Num passado mais distante, poucas eram as pessoas que tinham acesso à arte como consumo e propriedade. Eram geralmente os mais abastados financeiramente, e por isso, os que tinham um maior grau de instrução, pois, eram os únicos que conseguiam estudar. Com a revolução industrial, uma fatia maior da população começou a ter acesso a coisas que antes não tinha. Só que a melhor condição financeira não veio proporcional à condição cultural. Não era de se assustar que novas pessoas ricas nem sabiam ler direito. Com a arte sendo acessível a mais uma grande parte da população, ela precisava de alguém que a explicasse. Foi quando surgiram os primeiros críticos de arte. Ditos como os “tradutores” das obras. Eles explicavam o que os olhos comuns não conseguiam ver. Eram por isso, considerados grandes intelectuais, que tinham o poder de fazer entender o que muitos não conseguiam.
Por um bom tempo isso pode até ter funcionado. É que antes, os poucos estilos não se diversificavam tanto. Uma obra precisava muito mais de uma interpretação, do que necessariamente de uma crítica. Alguém que destrichasse a obra em porções plausíveis de entendimento. Não se esqueça que a interpretação de uma obra, por mais criteriosa que possa ser, ainda é a visão individual de alguém que sente e se emociona.
Com o decorrer do tempo e o surgimento cada vez mais crescente de estilos, fazer arte se tornou o jardim individual da liberdade de expressão. Nos tempos atuais, qualquer um se dá o direito a “inventar” um estilo qualquer. Hoje, o que parece contar não o que tenha algo a dizer, mas sim, o que é novidade, o que nunca foi feito por ninguém, e o que é pior, o que tenha mais força na mídia para se impor como objeto de consumo. No afã de criarem uma arte nova estão cada vez mais destruindo a arte. Não estou negando aqui todos os benefícios que trouxeram movimentos como o Impressionismo, o Surrealismo e o Abstracionismo. Abriram as fronteiras do que se pode fazer, mas, não destruiram a essência da arte.
Desconfio muito de uma arte sem parâmetros, mais ainda de críticas, que já não precisam medir ou explicar nada. Se há liberdade para fazer, também há liberdade para entender. O crítico de arte, hoje, se tornou a peça menos importante possível. Se cada um se dá o direito de “criar” aquilo que bem quiser, cada um tem o direito de entender aquilo também como bem quiser, não precisando mais de tradutores. Se antes o crítico era o conhecedor histórico e cultural que tanto auxiliava na interpretação de uma obra, hoje se tornou apenas alguém com um ponto de vista exótico. Alguém que é humano e que sofre todas as influências como qualquer ser humano, alguém que sente e que avalia aquilo que está a sua frente apenas como qualquer outro, de seu ponto de vista.
Não poderia terminar esse texto sem citar Ferreira Gullar, que é alguém com uma lucidez incomparável do que é verdadeira arte: “A verdadeira arte tem o poder de nos reconduzir ao mundo fascinante que só existe nela – tessitura de cores e de matéria, de tons e meio tons, que vibram como sons, que nos estimulam o olfato, que engendram sabores imaginários, enfim, uma tessitura de sensações e significações, de matéria percebida ou sonhada, envolvendo a simbólica geral do corpo e do espírito”.
JOSÉ ROSÁRIO - Se não cuidarmos, restará apenas propaganda
Óleo sobre tela, 80 x 120
Acervo de Ildeu Franco, Belo Horizonte
Toda obra é formadora de opinião e cada pessoa absorve
de cada obra, aquilo que seu conhecimento permite.
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